Saindo do túnel
http://futebolcartesiano.blogspot.com/2014/02/resenhas-inventadas-12.html
O conto que você lerá a seguir é uma estória em duas partes. A primeira parte foi publicada na semana passada. Todos os personagens são produto da imaginação do autor, e os clubes de futebol mencionados (Botafogo de Ribeirão, São Paulo, Vasco) apenas emprestam seus nomes para dar verossimilhança à estória.
Tracei um plano. Colhi
informações. Já sabia o que fazer.
Ela frequentava uma academia de
ginástica nos Jardins. Thaís, a jovem que engravidou de Marcelo, abortou e
rompeu com ele. Esperei do lado de fora, calmamente, até que ela surgisse.
Cabelos loiros, presos num rabo de cavalo, pele muito branca, olhos de um azul
inquietante. Corpo esguio e bonito, naquela calça de lycra. Aproximei-me.
Posso falar um minuto com você?
Eu lhe conheço?
Acredito que não. Meu nome é Manoel, sou conhecido como Maneco. Joguei
futebol, hoje sou dirigente esportivo.
O que o senhor quer comigo?
Por favor, me deixa te pagar um café, ou um suco.
Olha, amigo, eu estou com muita pressa e...
É sobre o Marcelo.
O resto dela rapidamente ficou
sombrio. Ficou sem ação, começou a tremer.
Marcelo tá na merda. Acho que só você pode ajudá-lo.
Não posso ajudar. Estou noiva. Desculpe.
Ela se desvencilhou e correu em
direção ao carro. Corri atrás. Abri a porta do carro e entrei, sentei-me ao
lado dela.
Por favor, vamos para um local sossegado. Preciso mesmo falar com você.
Na lanchonete ela se
tranquilizou. Expliquei as coisas que estavam acontecendo, ela a tudo ouvia,
calada. Terminei minha explanação com a pergunta: você ainda gosta dele?
Ela relutou. Acabou respondendo,
por fim:
Gosto. Foi muito difícil esquecê-lo. Meu pai não quis que a gente
ficasse juntos, me fez mil ameaças, disse que seria capaz até de tirar a vida
dele. Estou noiva de um homem que não amo, choro todas as noites de saudades
dele e de tristeza pelo nosso filho que não nasceu.
Você confia em mim?
Nós não nos conhecíamos. Mas ela
disse: Confio.
Vou conversar com o seu pai. Nós vamos resolver essa situação.
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Aguardei em meu escritório que o
sujeito chegasse. Ele atrasou-se uns 20 minutos.
Você é o cara que procurou o Zé Carlos?
Sou, sim senhor. Jesus Silva, seu criado. Grande fã do senhor!
Você tá atrasado, Jesus.
Desculpe, o trânsito de São Paulo está cada dia pior...
Não importa. Você trouxe o material?
Trouxe. O senhor trouxe o combinado?
Sim. Tá aqui nesse envelope. Confere, enquanto eu dou uma olhada no
material.
O material era quente. Ia fazer
miséria com aquilo.
Amigo, você não me serve um uisquinho não? , disse Jesus, enquanto
contava o dinheiro.
Ele que transformasse água em
uísque. Dispensei o X9. Foi a primeira e última vez que o vi. Soube depois que
ele desapareceu e o corpo jamais foi encontrado.
O pai de Thaís era um conhecido e
respeitado conselheiro do São Paulo Futebol Clube. Era sócio de um renomado
escritório de advocacia. Tinha uma empresa para negociar jogadores, mas não era
sócio nominal da mesma. A família dele realmente tinha 400 anos de história
contra a história de miséria do Marcelo. Era casado com uma dama da alta
sociedade, pai provedor, católico, presidente do conselho de moradores, reitor
de uma universidade, doutor honoris causa, ex-presidente do tribunal de contas.
Tantos títulos , tanta importância, que pra falar-lhe eu precisei marcar hora
com o sujeito. Recebeu-me no escritório dele, circunspecto, terno bem cortado,
assinando documentos.
Pois não, em que posso ajudá-lo?
O senhor me conhece, não?
Conheço, claro. O senhor jogou no Santos. Lamentei quando encerrou
precocemente a carreira.
Doutor, minha carreira foi uma merda. Mas não vim aqui falar dela. Vim
pedir pro senhor não foder a carreira de outro menino que está aí.
Do que o senhor está falando.
Marcelo.
Ele ficou pálido. Tentou
disfarçar.
Marcelo? Que Marcelo? O que jogava no nosso clube?
Ele. Olha, vamos direto ao assunto. Estou por dentro de tudo o que
aconteceu, da história dele com a sua filha, o aborto, a transferência
arranjada pro Vasco, tudo.
Antes que ele respondesse
qualquer coisa, tirei o envelope da minha sacola, estendi a ele.
Isso é um dossiê. Todos os documentos são autênticos. Se eu divulgar
isso na mídia, você tá fodido. Você perde seu cargo de conselheiro, vai preso,
vai implicar tanta gente que não estranharia se tentassem te dar cabo.
Ele havia participado de inúmeras
negociações escusas e aqueles documentos provavam. Lavagem de dinheiro na venda
de jogadores, compra de árbitros, esquemas milionários usando clubes pequenos
de empresários. Adverti-o de que havia deixado cópias com pessoas da minha
confiança e que essas cópias seriam distribuídas para todos os veículos de
mídia se algo me acontecesse, ou ao Marcelo.
O que você quer? Quanto?
Não quero seu dinheiro sujo. Aliás, adoraria exibir essa patifaria pra
imprensa e sujar sua reputação ilibada. Mas vou me contentar se você deixar sua
filha em paz. Vou arrumar uma transferência do Marcelo pro exterior. Ela vai
com ele.
Ele não teve escolha.
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Marcelo acabou rescindindo com o
Vasco da Gama. Não havia clima pra ele no clube depois da fuga para o Boréu.
Teixeira tinha contatos com dirigentes de um time árabe, arrumamos uma
transferência do menino pra lá. Ele iria ganhar dinheiro, viver com a mulher
que amava, ser feliz. Eu continuaria procurando garotos pobres, criando
oportunidades, tornando prováveis vitórias improváveis. Sabia que não podia
resolver todos os problemas do mundo, mas resolver problemas a cada minuto era
um minuto a menos pensando em beber. Essa batalha, como me disse Dr. Carneiro,
eu jamais deixaria de travar.
Marcelo foi convocado pra seleção
um ano depois. Marcou gol, ganhou a simpatia do treinador. Tomei um porre de
suco pra festejar.
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* Rafa Gimenez é jornalista, ex-poeta e contista. Ama futebol, mas sempre foi um tremendo perna-de-pau. Escreve às quintas o "Resenhas inventadas", coluna de contos que tem o maravilhoso esporte bretão como tema central ou pano de fundo.








