A procurada - Parte 1


Por Rafael Gimenez

Puta merda. Meu nome é Carlos Canale, meu pai era italiano. Mas aqui no Brasil os filhos da puta sem costume fazem piadinha com tudo, e então me chamam de Carlos Canalha. Antes de tomar medicação controlada, eu ficava muito puto da vida com isso, puta merda. Mas agora tomo meu remedinho e, pronto! Tudo azul. Sou advogado de formação, mas costumo dizer que minha profissão é a de cartola. Puta merda, é a profissão mais madrasta do mundo. É como o sujeito usar alguma droga para ter prazer: ele tem um pico de euforia – no caso do dirigente, esse ápice é o título do clube - que não recompensa as horas de rebordosa. E, como uma droga, a porra do futebol vicia, e quando você entra pelo túnel é quase impossível sair. Puta merda, estou saindo do assunto, peço que me desculpem, mas eu costumo sempre me perder em tergiversações.

Hoje vou contar uma história que aconteceu quando era diretor de futebol de um grande clube do Brasil. Eu tinha perdido as eleições para presidente e, no pleito seguinte, meu grupo me impediu de me candidatar – puta merda, bando de ingratos! O jeito foi aceitar entrar na chapa que sairia vencedora e me contentar com esse cargo de diretor, que dá um puta status dentro de um clube de futebol, mas que é pura dor de cabeça. Puta merda, não que eu não entenda do metiê, eu manjo. Mas montar time sem dinheiro é pior do que fazer omelete sem a porra dos ovos. Você tem que usar toda a criatividade, vasculhar o mercado, chamar pra junto de si os melhores olheiros. Eu chamei um cobrão, o Oliveira. Puta merda, o Oliveira tinha sido atacante, dos mais medíocres, mas sempre teve um rabo do tamanho do Maracanã – a bola bateu na canela dele e foi pro fundo das redes numa final de Libertadores. Eu precisava de gente competente e sortuda, e eu sempre confiei na porra da sorte, puta merda. Depois de seis meses à frente do departamento, eu começava a fazer progresso. Montamos um time sem gastar muito, apostando em revelações de times pequenos. O técnico também era novato, boleirão, não ficava inventando moda e assim o time foi ganhando. Mas ainda era mediano, não tinha cancha pra disputar os títulos, e entrar em campeonato pra não ganhar é muito pouco pra um time grande. Puta merda, eu precisava de um título, nem que fosse uma Copa do Brasil, pros putos da torcida pararem de pegar no pé, insuflados que eram pelos abutres da imprensa. Pra isso, faltava algo no elenco, um jogador tarimbado, que chamasse a responsa. Os meninos que a gente tinha levado eram bons, mas ainda muito verdes. Chamei o Oliveira, expus a necessidade. Ele sugeriu um nome que me gelou a espinha. Era um atacante rodado, muito bom no passado, mas que há tempos não dava certo em time nenhum. Puta merda, logo me lembrei da minha última experiência como dirigente, quando trouxe um medalhão e o filho da puta estragou tudo comendo a psicóloga do clube, que era amante do treinador. Não queria mais essas buchas, mas o Oliveira me disse “doutor, o mercado tá complicado”. “Doutor, é uma ótima oportunidade”. “Doutor, eu boto fé nesse cara, ele já deu a volta por cima mais de uma vez e se eu conversar com ele, ele vem ganhando um terço do que ganhava no último clube”. Puta merda, eu sou um romântico. Falei pro Oliveira acertar um salário com o sujeito, mas por produtividade. E que ele viesse na segunda fazer exames e assinar contrato.

Puta merda, desde que eu era criança eu ouvia dizer que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Pensei com meus botões: dessa vez vai dar certo! Segunda o sujeito veio, achei que ele tava com uma cara boa. Não sei, tenho intuição pra essas coisas, saber se o cara vai ou não dar certo. Ele estava mais ou menos em forma, talvez dois ou três quilos acima do peso, nada que a preparação física e fisiológica não resolvesse. Puta merda. Botamos o sujeito na ponta dos cascos. Ele entrou no time – que, diga-se de passagem, estava redondinho – e começou a meter gol pra caralho. O time foi pras cabeças e eu já sentia novamente as trombetas tocando pra mim. O velho Canalha de novo por cima da carne seca, todos os putões da tevê me solicitando para participar dos programas, mesas redondas e afins. Aí começou a trovoar. Um jogo inteiro sem o centroavante meter gol. Dois. Três. Eu dizia “normal, todo atacante passa por essas fases, e ele tem crédito, é nosso artilheiro na temporada”. Puta merda. Chamei o Oliveira pra conversar, o Oliveira tinha se tornado amigo do fulano. “O que tá acontecendo”, e ele me disse “ele está na mais profunda depressão, doutor”. Depressão? Puta merda, como ele pode estar em depressão? Ele recebe em dia um bom salário. Está num clube de ponta, com uma estrutura fodida. A torcida idolatra o sujeito. “Puta merda, me explica essa depressão”. Oliveira me disse então um troço que, de novo, me gelou a espinha: “Mulher, doutor. Mulher”. E então me contou tintim por tintim a história: meu centroavante fazedor de gols tinha se apaixonado por uma dona que era garota de programa. Ia lá comer a indivídua sem nem saber se ela tinha cafetão, se tava na putaria por vocação ou de passagem, se tinha filho, se tinha mãe doente em Barbacena ou o que seja. Duas fodidinhas e caiu de quatro. Puta merda, um sujeito que pode comer qualquer mulher tomar uma chave de boceta dessas e aí quem fica na mão é o coitado do Carlos Canale, na mira de torcida, imprensa, elenco e o escambau. Sim, porque o restante do time começou a ficar ressabiado e começaram aqueles rumores desagradáveis que sempre aparecem quando um time entra em má fase. Ciúme de homem é pior que ciúme de namorada, e começaram a questionar o salário que eu pagava pro cara, dizendo que o lance da produtividade era balela. Puta merda. Indaguei o Oliveira: “porra, e daí que ele tá apaixonado por essa piranha aí? Ele é solteiro. Dá um apê pra putona, fica comendo ela full time, cura essa dor de corno e volta a meter bola pra dentro, que é o que importa. Qual o drama?” e Oliveira então esclareceu de uma vez o imbróglio: “Ah doutor, é que a pistoleira simplesmente sumiu”. Era isso. Como diria aquela música do Tim Maia, a vagabunda partiu e nunca mais voltou. Puta merda.

“Dona Sônia, me chama aqui o imprestável do adjunto”.

“Quem, doutor Carlos?”

“O adjunto”. Como chama mesmo aquele filho da puta? “O diretor adjunto, pô! O Peralva! Chama o Peralva”.

O Peralva era um desses borra botas que estudam marketing esportivo no exterior e voltam pra trabalhar nos clubes de futebol daqui, achando que podem ensinar alguma coisa pras raposas velhas como eu. Só pra sacanear eu o fazia cumprir tarefas da maior importância, como comprar croissant pra mim na padaria da esquina.

“Peralva, preciso que você me arrume um detetive”.

“Detetive, doutor Carlos?”

“É, um detetive particular. Não precisa usar lupa nem fumar cachimbo, ele só precisa localizar pessoas desaparecidas”.

Ele ficou meio embasbacado, acho que no cursinho de marketing esportivo eles não ensinam os sujeitos a resolver questões práticas do dia a dia, puta merda. Dei uma dica pra ele: ali na esquina tem uma banca de jornais. Compra o de maior circulação, que tem uma boa seção de classificados. Lá você vai encontrar o telefone de alguns profissionais que executam esse tipo de serviço de que preciso”.

Ele ia saindo, quando eu ainda disse:

“Ó, depois não deixa essa porra desse jornal na minha vista não. Não aguento mais ler sobre derrota dessa porra de time”.

***

“Doutor, está aí fora um sujeito chamado Afonso Alonso. Diz que é detetive particular”, me disse a minha secretária na tarde do dia seguinte. Mandei entrar.

“Puta merda, o senhor se chama mesmo Afonso Alonso?”, perguntei.

“Afonso Alonso, seu criado. Meus pais eram espanhóis”.

“Os meus eram italianos. Seu Alonso, eu preciso que o senhor localize pra mim uma mulher. Ela é prostituta e usa o nome de Trinnity Matrix. Desconfio que não seja o nome verdadeiro dela” (puta merda, o remédio controlado transformou um maníaco depressivo em um cético irônico).


Contei toda a história pra ele. Depois, virei a tela do computador para que o detetive pudesse ver as fotos da mulher num desses sites de propaganda de prostitutas. Ele ficou alguns minutos concentrado, olhando as fotos e lendo as informações, no maior profissionalismo. Sacou um pen drive do bolso da jaqueta: “o senhor me permite?”. Vá em frente, respondi. Ele salvou as informações e disse se seria possível conversar com o jogador, para obter mais algumas informações pormenorizadas da procurada. Pensei com os meus botões: “quer saber se ela cobra taxa de anal, se realiza fantasias... puta merda”. Levei-o à concentração para se entrevistar com o jogador. Ficaram uns 20 minutos conversando. Ele saiu de lá e me disse que estava satisfeito com o que tinha ouvido e que, no máximo em duas semanas, traria de volta a pessoa amada. Puta merda, ele também era um irônico. Mas eu fiz cálculos mentais que não me permitiram rir: duas semanas eram mais 4 jogos, e se esses 4 jogos fossem 4 derrotas eu estava fodido. Ele me resgatou de volta de minhas elucubrações: “Doutor, eu preciso da metade da quantia que combinamos, como sinal”. Fiz o cheque. Puta merda. 

Continua.

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