E há 1 ano, o mundo era preto, branco e louco.

https://futebolcartesiano.blogspot.com/2013/12/e-ha-1-ano-o-mundo-era-preto-branco-e.html

Por Rafa Gimenez
É, mano... 16 de dezembro de 2012. 22 anos antes, 10+12 (guarde o número 12 e jogue na mega da virada com ele, porque vamos citá-lo muito por aqui), Fabinho bagunçou a zaga são-paulina depois de tabelar com Tupazinho, e Tupã aproveitou uma bola que sobrou pra fazer o gol daquele que foi o primeiro título brasileiro do Sport Club Corinthians Paulista. Eu tinha 6 anos na época, e trazia comigo a vantagem de não ter aguentado, como os mais velhos, todas aquelas provocações que diziam "rá rá rá, torcedor de time regional". Cada geração de corintianos tem a sua cruz pra carregar, e a minha foi ouvir, durante tanto tempo, a velha ladainha de que meu time jamais venceria a Taça Libertadores da América. Nada que incomodasse tanto - o Corinthians, enquanto dava murros na ponta da faca da Liberta, foi ganhando outros títulos aí nos anos 90 e 2000 - mas rolava aquela engolida em seco quando a amiga palmeirense sacana ia pra Buenos Aires e te marcava no Facebook na foto que tirou com o cobiçado troféu (a réplica pertencente ao Boca, multicampeão da bagaça) na Bombonera. Tempo passa, passa Palmeiras, passa River, passa Mengo, passa até o glorioso Tolima, e a gente vai achando que os detratores tem razão: não vamos ganhar essa porra nunca mesmo! Mas quem perde a fé perde tudo, e tudo se renova no 12. Lembro que o ano começou devagar quase parando pro Corinthians, sofrimento pra empatar com o Deportivo Táchira na Venezuela, um futebolzinho burocrático no Paulista e nada indicando de que aquele seria o ano. Exceto pela profecia de um homem que eu amo. Profecia? Profecia nada, sapiência mesmo, experiência. Queria abrir um parêntese pra falar desse cara, e essa inserção é oportuna porque é o relato sobre meu avô que vai costurar todas as histórias que quero sintetizar nesse texto.
Meu avô é o Seu Nicola, corintiano doente e que passou um pouco dessa patologia pra mim. Na noite de 14 de janeiro de 2000 o Edmundo tentou tirar a bola do Dida e chutou a última cobrança de decisão por pênaltis pra fora do gol. Não tive dúvidas sobre qual seria meu primeiro ato como campeão do mundo: disquei o telefone da casa do velho. Ele ainda não estava tão surdo quanto ficaria alguns anos depois, mas mesmo assim nossa conversa foi de loucos, ninguém se ouvia com o barulho do foguetório. Mas extravasamos assim mesmo, éramos campeões do mundo, porra! Tempo passou e comemoramos outros títulos, lamentamos um rebaixamento e sempre que eu ia visitar meus avós, o Corinthians dominava 90% dos temas que eu conversava com o velho - os outros 10 era ele cornetando minha estagnação profissional e sentimental ("e as namoradas? na sua idade eu não fui fraco não!"). Eu adorava conversar com o velho. Em 2011, enquanto o Corinthians ganhava mais um Brasileiro, o velhinho ficou doente. Algum problema intestinal, que não sabíamos direito o que era, foi debilitando-o e ele começou 2012 num leito do hospital São Luiz Gonzaga, no seu Jaçanã querido. Eu ia visitá-lo sempre e cheguei e dormir algumas noites lá, pra cuidar dele quando os filhos não podiam. Num domingo, o Corinthians perdeu pro Santos no Campeonato Paulista, gol do glorioso Ibson. Apesar do Timão ter jogado com o time reserva, aquela derrota frustrou e desanimou muita gente - como eu já disse, o time vinha se arrastando em campo. Fui visitar meu avô e a primeira coisa que ele me disse, mal entrei no quarto, foi: "Quer dizer que nós perdemos, é?", "É vô, esse time tá uma bosta!". E ele me disse: "Calma, é assim mesmo. Vai melhorar. O time não é ruim, não". Ele não disse aquilo pra me consolar. Ele, de alguma forma, sabia. Também, mais de 80 anos de corintianismo e de paixão pelo futebol. Eu não gosto de futebol, gosto do Corinthians. Ele não, quando não tava vendo Bonanza no TCM, assistia até jogo da A2 do Paulista na TV. Foi meia-direita ("jogava direitinho até, viu?") do Guapira, depois de ter se iniciado no futebol nos campos do Pari e do Brás, na época em que só havia mato por ali. Enfim... Em março de 2012 meu avô foi diagnosticado com um câncer no intestino. A cirurgia, na idade dele, era arriscadíssima, e ele sabia que se entrasse na faca não voltaria mais. Coube a mim dar-lhe a notícia de que ele iria, numa daquelas manhãs em que estava com ele, para a mesa de cirurgia. Ele encarou tudo corajosa e resignadamente. Faleceu no dia 16 (de março, 9 meses antes do evento de que vou enfim falar daqui a pouco). Quando ganhamos a Libertadores, em 4 de julho, eu só conseguia pensar: "Vida filha da puta, nosso velho perdeu por 3 meses essa alegria que esperou por tantos anos! 3 meses, tão pouquinho!". Mas, sei lá... Eu sou kardecista (não-praticante) e me consolei pensando que ele viu, sim. De algum lugar.
No dia 12 do 12 de 12 (olha o 12 aí) o Corinthians estreava no Mundial, pouco mais de 12 anos depois de ter disputado o primeiro promovido pela Fifa. Jogo tenso contra os egípcios do Al Ahly, time suou pra ganhar de 1x0 e ainda teve uma bola dos caras que passou rente à trave do Cássio. Me bateu aquele mesmo desânimo do começo do ano. Mas se o velho estivesse aqui, ele provavelmente teria dito: "Calma, pro próximo jogo vai melhorar!". Aí chegou o dia 16 de dezembro, dia de corintiano tirar argumento de detrator. Se, 22 anos antes, acabamos com aquele papo de "time regional", era a vez de acabar com o papo de "mundial de verão não vale, pra conquistar o mundo é preciso atravessá-lo". Outro gol chorado, como o gol de Basílio, como o gol de Tupã. Aquela bola que parecia que não ia entrar, mas que o corintiano sabia que entraria. É sempre assim, quem é tá ligado. Tabela entre Jorge Henrique e Paulinho, Paulinho entra na área e vai levando pra esquerda, parece que vai perder o ângulo pro chute, quando chega Danilo e puxa pra dentro. Danilo, a calma em pessoa, não chuta logo, tenta levar pra perna boa, que é a esquerda (cansamos de vê-lo fazer isso, seja contra o Chelsea, seja contra o Mirassol). Chuta uma bola mascada que desvia no Cech e sobra pro guerreiro Paolo Guerrero repetir Basílio, repetir Tupã. Antes e depois, nosso camisa 12 (12 renova a esperança), São Cássio, operando milagres, sendo gigante. Eu estava na casa de amigos, com quem sempre assisto os jogos importantes porque acho que lá dá sorte. E deu. Choramos no gol. Choramos no apito final. Senti vontade de repetir 2000, ligar pro Nicola. A chamada seria de longínqua distância. Mandei pra ele meu pensamento, meu sorriso. Era bicampeão do mundo. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. E já faz um ano.
Obrigado por aguentar essa pieguice até o final. Mas tenho certeza que, corintiano ou não, se gostas de futebol e ama um time (e ama as pessoas que te envolveram nessa paixão também), você se identificou.
Obrigado por aguentar essa pieguice até o final. Mas tenho certeza que, corintiano ou não, se gostas de futebol e ama um time (e ama as pessoas que te envolveram nessa paixão também), você se identificou.
Imagem: Portal Terra.
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ResponderExcluirPerfeito. Só tem um erro, neste trecho:
ResponderExcluir"É, mano... 16 de dezembro de 2012. 12 anos antes (guarde o número 12 e jogue na mega da virada com ele, porque vamos citá-lo muito por aqui), Fabinho bagunçou a zaga são-paulina depois de tabelar com Tupazinho, e Tupã aproveitou uma bola que sobrou pra fazer o gol daquele que foi o primeiro título brasileiro do Sport Club Corinthians Paulista."
O primeiro Brasileiro (por sinal, eu, com 9 aninhos completados um dia antes, estava no estádio) foi 22 anos antes, não 12.