Quatro estórias inglórias: corintianos

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1.
E aí, irmão? Qual tua bronca?
157.
Primário?
Não, já tive engaiolado antes.
Acho que puxo uma etapa aqui agora. Uns cinco ano no mínimo.
Qual teu nome?
Emerson. Emerson Sheik da Silva.
Emerson Sheik? Que porra é essa?
Meu pai. Corintiano doente. Nasci
no dia 4 de julho de 2012. No dia seguinte meu pai me registrou assim, tá
ligado?
E tu é corintiano também, né?
Sai fora, irmão! Sou são-paulino.
Porra, mas como pode? Teu pai
deve ter morrido de desgosto!
Que se foda, irmão. Meu pai é
otário que come de marmita e nem por isso sou igual a ele, sou correria. Por
que ele é corintiano eu tinha que ser também?
Opa, tá mais aqui quem falou não,
mano. Cada louco com a sua mania, tá ligado?
2.
Amor, você me ama?
Amo.
Mais que o Corinthians?
Não.
Aaaaaaaai, amor...
Lembra de quando a gente se
conheceu? Você disse assim: ‘nós nunca vamos mentir um pro outro. Promete que
não vai mentir nunca pra mim?’, e eu disse: ‘tá bom, a gente nunca vai mentir
um pro outro, eu prometo que nunca vou mentir pra você’, e daí você disse: ‘jura
pela tua mãe?’, e eu disse: ‘sim, juro pela minha mãe’. Então já que não posso
mentir, sou sincero: nunca vou amar nada mais do que amo o Corinthians.
[Amuada] Você leva as coisas
muito ao pé da letra. Uma mentirinha agora não ia fazer mal...
Certas perguntas é que nunca
devem ser feitas.
Quem te faz mais feliz? O
Corinthians ou eu?
Você me faz muito feliz, amor. Nunca
fui tão feliz quando quanto a gente começou a fazer amorzinho. Exceto, claro,
por aquele gol do Marcelinho contra os porcos, 1995. Puta que o pariu, ele
meteu aquela bola no ângulo.
Silêncio.
Ué? Vai ficar quieta aí? Vamos
dar uma transadinha então?
Vai procurar o Marcelinho...
Amor, tem hora que você parece
doida.
3.
É ele mesmo?
Eu acho que é, hein?
Porra, o cara tá acabado!
Deve ser a cachaça...
Vamo lá falar com ele?
Vamo. Mas, e se não for ele?
Se não for, não é. A gente pede
desculpas e sai fora. Vambora?
Vamo!
[Dirigindo-se à mesa ao lado,
falam com um homem de meia idade que come sozinho] Com licença: você não é o [dizem
o nome], que jogava no Coringão naquele time de [dizem o ano]?
Sou eu sim. – responde, pouco
animado.
Porra, cara! A gente pode tirar
uma foto contigo?
Pra quê?
[Meio encabulado, desarmado, um
dos rapazes responde] Ah, pra gente mostrar pros amigos e tals, nós somos
corintianos!
[Levanta-se o ex-jogador e fala
em tom rude, porém controlado] Olha aqui, guri: você sabe muito bem que eu fui
enxotado do Corinthians, porque naquela oitava de final da [fala o nome da
competição] eu perdi uma bola sozinho no meio campo, deu um contra-ataque do
caralho e saiu o gol do adversário. Sabe também que depois disso eu não me
firmei em clube nenhum, por onde eu passava falavam ‘olha lá, é aquele beque
que fez merda e tirou o Corinthians da [repete o nome da competição]’. Deve
saber, também, que eu estourei o joelho em seguida, que fiz de tudo pra voltar
a jogar, mas tava gordo, baleado, e daí me afundei na bebida. Eu não vou tirar
foto com dois bostinhas pra depois vocês botarem essa porra no Facebook, no
Instrangram – sei lá como se chama essa porra – ou no Twitter pra ficar fazendo
chacota de mim. Eu era ruim pra caralho, não era bom. Pra que alguém quer
aparecer numa foto comigo? E digo mais, seus palhaços de merda: vocês nem devem
saber direito quem eu sou. Se soubessem, não tirariam foto comigo. Cuspiriam na
minha cara. [Dirigindo-se ao mais abestalhado dos dois jovens] Vai! Cospe na
minha cara!
Eu...
Cospe agora! [agarrando-o pelo
pescoço].
Pessoas olham assustadas. O
segundo jovem pede ajuda. Chegam os seguranças do shopping, ajudam o rapaz a se
desvencilhar. O ex-jogador subitamente se acalma. Senta-se. Corta lentamente o
filé no prato. Mastiga devagar. Olha para o lado e vê pessoas atônitas o
observando.
Que é? Tô cagado, por acaso?
4.
Sequestrou o ônibus e prometeu
matar uma pessoa por hora se suas exigências não fossem atendidas. Passada a
primeira hora, nada de resposta das autoridades. Foi cumprir a promessa.
Você aí, careca. Chega aqui pra
dar ideia.
Não, meu senhor, pelo amor de
Deus! Eu tenho família pra criar!
[Engatilhando a arma] Chega logo
aqui pra dar ideia, porra!
Eu tenho três filhos, eles
precisam de mim!
Tlec tlec.
Por favor, não me mata, eu... [vê
no braço do outro uma tatuagem com o distintivo de um clube de futebol] Eu sou
Corinthians, porra!
[Surpreso] Tu é Corinthians? Sérião?
Sim! Não mata um corintiano não,
pelo amor de Deus!
Se tu é Timão, vai ter que
provar. Eu sei tudo de Corinthians, quero ver se você sabe também. Vou te fazer
5 perguntas, se responder certo livro você e passo um palmeirense desses que
tão aqui.
[Tremendo] Tá bem...
Primeira: qual a data de fundação
do Sport Club Corinthians Paulista?
1º de setembro de 1910.
Essa era bônus, bacana! Segunda:
qual o jogador que jogou mais tempo no clube e qual fez mais partidas?
Er... Neco, e... [suando frio]
Wladimir!
Boa, coroa! Pergunta 3, e essa é
foda: qual o nome do autor do primeiro gol da história do clube, marcado contra
o Estrela Polar?
Eu sei! Eu sei, péra... Luiz
Fabbi.
Tá indo bem. Penúltima pergunta: qual
o nome oficial do Parque São Jorge?
Estádio Alfredo Schurig.
Tá limpo, playboy. Tu é
corintiano mesmo, nem vou fazer a quinta pergunta. Zé, traz esse outro cara que
tá aí no fundo.
[Zé traz passageiro apavorado,
que implora] Não me mata, por favor! Eu sou corintiano também, pode perguntar
pra mim, mas não me mata e...
Vou te fazer as cinco perguntas.
Primeira: em 2000, quando o Marcos pegou aquele pênalti do Marcelinho, quais
jogadores tinham convertido antes as suas cobranças e...
Um tiro fulmina o passageiro
antes que ele responda.
[Zé, interpelando o chefe, que atirou]
Porra, porque tu matou o cara?
Ele mentiu pra mim. Não era
corintiano porra nenhuma, era palmeirense.
E como você sabe?
Deu um sorrisinho quando falei
que o Marcelinho perdeu o pênalti.
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* Rafa Gimenez é jornalista, ex-poeta e contista. Ama futebol, mas sempre foi um tremendo perna-de-pau. Escreve às quintas o "Resenhas inventadas", coluna de contos que tem o maravilhoso esporte bretão como tema central ou pano de fundo.