A procurada - Parte 2

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Por Rafael Gimenez
Eu fico puto quando me chamam de “cavalgadura
diplomada”. Primeiro porque é um termo que nem se usa mais, mas pra me
achincalhar os sujeitos desenterraram essa expressão do arco da velha. Além do
que, puta merda! Eu não sou nenhum ignorante. Creio já ter me queixado disso
antes, e devo ter dito também que eu fiz uma faculdade fajuta de administração
de empresas só pra calar a boca desses imbecis. Depois estudei também direito,
porque o sonho do meu finado pai era ter um filho advogado. Meu pai era um
homem bom, sem vícios, correto. Puta merda, morreu na bosta, enganado por um
sócio na venda de um terreno. Qualquer dia, com mais tempo, conto essas
histórias tristíssimas da minha vida. O detetive Afonso Alonso estava
procurando a rampeira, pra ver se conseguíamos devolver a “alegria das pernas”
e de outras partes do corpo de nosso centroavante. Alegria nas pernas, puta
merda. Quem inventou essa expressão idiota? O futebol anda com muita frescura. Nesse
meio tempo, continuei trabalhando normalmente. Um belo dia, entra o gerente de
futebol, que teve “uma ideia sensacional”. O gerente de futebol é um
ex-boleiro, rapaz semi-letrado, como eu, mas esforçado. De todos aqueles montes
de aspones, era um dos poucos que podiam ser levados a sério. Ele então me
disse: “Nosso centroavante está em má fase, a torcida está sem paciência. Além
disso, ele é propenso a lesões, estamos até com sorte dele estar jogando sem se
machucar”. Puta merda, vá direto ao assunto. “Bem, acho que devíamos ir atrás
de outro atacante e ver o que o mercado apresenta. E o mercado está nos
apresentando uma ótima oportunidade”. Puta merda, eu já sabia o que ele ia
dizer em seguida. Ia falar de um atacante do rival, que estava saindo de lá
porque queria aumento salarial e o clube não queria dar. O sujeito em questão é
bom jogador, mas eu não o contrataria jamais, por uma série de motivos. Então eu
disse pro gerente de futebol: “Esse jogador é ótimo, mas eu não o contrataria
por uma série de motivos. Um, é caro, vai querer ganhar muito. Dois, o que ele
está fazendo com o rival hoje, vai fazer conosco amanhã, não gosto de jogador
esganado. Três, vai azedar nossas relações com o rival. E o quatro, que é o
mais importante: é zica”.
“Zica? Como assim?”,
perguntou-me.
“É simples, meu amigo: quando
você tira jogador de rival, especialmente jogador que eles não querem perder, a
diretoria do clube bota olho gordo e – puta merda! – os milhões de torcedores da
agremiação que tomou o chapéu também. Sujeito vem com um quebranto tão grande
em cima que é só desgosto. Você pode me achar supersticioso, e todo mundo tem
essa mania cretina de associar a superstição à ignorância, mas analise os
casos. Quantos jogadores contratados nessas condições deram certo?”
Ele refletiu e deu de ombros. Não
se convenceu muito com os argumentos, mas foda-se. Era não e acabou-se. “Continua de olho no mercado, ok?”. De saída, pedi
pra ele chamar o adjunto.
“Peralva, o Alonso ligou?”
“Alonso?”
“Puta merda, o Alonso! O
detetive, porra! Aquele que contratamos pra localizar a putinha!”
Esse Peralva é devagar quase
parando, puta merda.
“Um momento, doutor Carlos, vou
checar”.
Passam-se cinco minutos, ele
volta:
“Não ligou”.
“Peralva...”
“Sim, doutor?”
“Vá à merda e saia da minha sala,
sim?”
Que desgosto com esses borra
botas!
***
Uns três dias depois o bravo
detetive Alonso me ligou. Tinha boas notícias:
“Localizei a jovem Trinnity
Matrix. Todavia, isso me custou um deslocamento maior do que o previsto. Obtive
de fonte segura a informação de que ela estava na cidade de Corumbá, Mato
Grosso do Sul. Então vim para cá”.
“Puta merda, o que ela está
fazendo aí?”
“Chegarei lá. O nome de batismo
da jovem Trinnity é Maria da Paz Silva. Os amigos e familiares chamam-na pela
alcunha de “Da Paz”. Possui cútis morena, cabelos presos encaracolados - que
ela alisa com um desses acessórios elétricos - olhos castanhos muito grandes e
expressivos...”
“Senhor Alonso, não podemos ir
direto ao que interessa?”
“Um momento, essas informações
são importantes, fazem parte do relatório”.
Eu estava em dúvida se ele era
louco ou apenas obsessivamente meticuloso. No fundo, não há muita
diferença entre as duas coisas. Deixo-o seguir em seu testemunho.
“A senhorita Maria da Paz, ou
Trinnity Matrix, veio para sua cidade natal, Corumbá, onde hospedou-se na casa
da mãe, uma senhora idosa e doente. Apurei que a família recebe mensalmente uma
quantia que ela envia para despesas com a casa e cuidados médicos. Não foi
possível descobrir se eles sabem de que forma a moça ganha seus proventos. Os
vizinhos comentam, à boca pequena, minúcias da vida da jovem em São Paulo,
contudo”.
Puta merda, eu já estava ficando
de saco cheio. Disse: “Seu Alonso, traga essa mulher de volta pra cá, ofereça o
dinheiro que for necessário, caso ela não queira vir. Quero resolver de uma vez
esse assunto”.
“Espere!”, ele me disse. Há a
revelação mais importante, o dado mais relevante que descobri na minha
investigação. Na verdade, o motivo que causou a fuga, entre aspas, e a vinda da
moça para cá”.
Quando ele ia me dizer, caiu a
linha. Tentei diversas vezes ligar para ele, mas não atendia. Puta merda, que
bicho que deu?
Mais tarde, uma ligação dele no
meu celular. Atendi:
“Alonso, caralho, o que
aconteceu?”
Uma voz desconhecida do outro
lado respondeu:
“Demos um fim no cara e estamos
com a garota, a Trinnity. Se quiser vê-la com vida, venha até Corumbá com 100
mil reais em dinheiro. Venha pessoalmente, não mande intermediários. Sabemos
quem você é, Canalha”.
Continua.