O maravilhoso poxeto do pofexô

https://futebolcartesiano.blogspot.com/2013/11/resenhas-inventadas-3.html
“Eu só trabalho com os melhores
pofixionais, tá xerto?”
E foi assim que eu, Carlos Canale
– chamado por meus detratores de Carlos Canalha – comecei a maior cagada da
minha vida como dirigente de um dos maiores clubes do Brasil. Dizem que errar é
humano, mas persistir no erro é burrice. Puta merda, atirem-me pedras,
atirem-me fezes. Eu repeti a cagada. Já tinha montado um time caro na temporada
anterior e – puta merda! – o time mesmo assim ficou pelo meio da tabela. No
clube, os puxa-sacos me diziam “calma, demora mesmo pro time dar liga”, “não
esquenta, esse time é pro ano que vem” e outras bobagens que não consolam um
sujeito que tem só mais um ano de mandato e quer ganhar alguma coisa pra se
reeleger nas eleições próximas. Puta merda.
No ano anterior dei ouvidos aos
babacas do meu departamento de marketing e trouxe um medalhão. O sujeito tinha
jogado em grandes clubes europeus, na seleção brasileira, ganhado prêmio da
Fifa e outros quetais, mas tava uns dois anos sem jogar nada, só se contundindo
e engordando. Baladeiro e cachaceiro. Puta merda. “Traga o cara”, eles me
disseram. “Agradaremos aos patrocinadores”, eles disseram. “Ele gordo é melhor
que todos esses bagres magros”, eles disseram. Cedi, contra a minha vontade
trouxe, mandei fazer festa de apresentação e o escambau. O sujeito demorou uns
dois meses pra estrear, fez apenas três gols e o ano terminou com os puxa-sacos
me dizendo “calma, no ano que vem ele arrebenta!”. Puta merda.
A segunda cagada, a que me referi
na abertura desta cantilena horrorosa – puta merda! – eu fiz sem pedir palpite
de ninguém. Trouxe o treinador mais badalado e caro do país. E também o mais
decadente. O salário do sujeito era alto, mas o pior era a comissão técnica. Já
na primeira reunião pra negociar eu me encabulei com ele. Pediu pra trazer três
auxiliares técnicos. Pra que três? “Porque eu trabalho com três”. Ok. Pediu pra
trazer preparador de goleiros, massagista, olheiro, preparador físico. O clube
já tem tudo isso, eu disse. “Só trabalho com os meus”, ele disse. Puta merda,
mandei todo mundo embora e contratei os dele. “Quero nutricionista, psicóloga e
fono”. Fono, pra quê fono? Quero jogador fazendo gol, não jogador curando gagueira.
Ele me convenceu de que o clube devia oferecer a melhor estrutura para os
atletas. Resumindo, contratei médicos, um mágico, um quiroprático, um circo de
pulgas... Tudo o que o puto me pediu. Ia torrar uma grana com folha salarial,
puta merda. E mal sabia eu que o que eu estava gastando não seria o maior problema.
Bom, o cara me fez contratar a
melhor psicóloga esportiva do Brasil, uma mulher de 30 anos com cerca de quinze
livros publicados, relatando casos bem sucedidos de recuperação de atletas.
Agarrei-me no óbvio pululante, como diria Nelson Gonçalves e, nem bem a sujeita
se instalou numa sala do CCT, chamei o meu adjunto e disse: manda o Rodovaldo
pra ela. Vamo ver se a mulher é boa mesmo. Puta merda.
O Rodovaldo, o jogador pobrema de
que falei antes, fez as primeiras sessões de tratamento com ela debaixo do mais
deslavado ceticismo, do elenco, dos conselheiros, da imprensa. Ninguém tinha
dado jeito nele, uma simples psicóloga da equipe do meu treinador ia dar? Mas o
fato é que, depois de algumas semanas, ele começou a aparecer nos treinos. Mais
umas semanas, começou a emagrecer. Estreou um mês depois do resto do elenco,
quando nós achávamos que seria uns três meses depois. E, o mais impressionante:
começou a meter gol. Gol todo jogo. Gol de todo jeito. Contra o Mogi Mirim, lá
em Mogi, meteu um de bicicleta. Puta merda. No final do ano passado tava
parecendo um mamute, se desse uma bicicleta não levantava da grama nem com
guindaste, e agora tava dando arrancadas, driblando três, quatro, cinco jogadores
de uma vez. Puta merda, o sujeito tava jogando a bola dos tempos de Itália. Eu
estava exultante, o time tava líder do campeonato e, puta merda!, finalmente a
imprensa parou de me pentelhar por ter apostado num ex-jogador em atividade.
Depois de um jogo desses, chamei o Rodovaldo no vestiário, dei um abraço nele e
disse:
“Puta merda, negão, tá jogando o
fino, hein? Tomou vergonha nessa cara larga aí, é?”
“Seu Carlos, é a Dra. Andreia!
Ela tirou uns grilos da minha cabeça, voltei a jogar com alegria!”
Meus detratores acham que sou um
ignorante, um xucro, um cavalgadura diplomada (tenho um diploma fajuto de
administração de empresas, faculdade que fiz justamente porque já era rico com
minhas empresas e tava cansado de ser chamado de ignorante e boçal pelo pessoal
“daselite”). Mas eu me considero, modéstia à parte, sagaz e sensitivo. Vi logo
que tinha coisa nessa história aí e, mais tarde, chamei a doutora milagreira na
minha sala.
“Quero agradecer a senhora por
ter recuperado nosso atleta, estamos muito felizes com os resultados e quero
que o mesmo trabalho continue sendo feito com ele e o restante do elenco”.
A doutora ficou me olhando de um
jeito que me deixou encabulado. Puta merda. Olhei bem pra ela, com mais
atenção. Uma mulher muito gostosa, com pernas lindíssimas, lábios grossos,
olhos verdes. Puta merda, então me deu o clique. Eu conhecia bem o treinador
que havia contratado. Conhecia Rodovaldo, um jogador que em um ano de clube
cansou de furar concentração pra ir comer puta, ou trazia as putas pra dentro
da concentração, e eu não podia fazer nada porque ele era “a estrela”. Os putos
do marketing, sempre eles – puta merda! – se reuniam com a direção de futebol e
com a assessoria de comunicação do clube (que, aliás, foi trocada também pelo
treinador) pra bolar mil estratégias pra abafar escândalos e enganar a imprensa
e a torcida. Eu por mim mandava tudo para o caraleo, mas tinha que me submeter,
só com os magos do marketing e com os patrocinadores deles eu conseguia pagar
os salários do Rodovaldo e de outras pembas do elenco. A psicogostosa
interrompeu minhas elucubrações – puta merda, onde aprendi essa palavra?:
“Seu Carlos, eu posso ir?”
“Pode, minha filha, vai lá”.
Ela saiu. Liguei pro adjunto: “Conhece
algum terreiro bom? Vamos precisar de reza braba, porque vai feder!”. Tá
maluco, o puxa-saco me disse. Tá tudo indo às mil maravilhas, o puxa-saco me
disse. Fui filosófico, que nem Arquimedes, Aristóteles... um desses aí: “Já
reparaste que, sempre que vem pé d’água, o céu antes já esteve azul?”
Um mês depois, teve um rebuceteio
no vestiário. Jogadores saindo no tapa e o escambau. Puta merda, fiquei sabendo
pelo diretor de futebol, ele já tinha tomado as devidas providências, punido
disciplinarmente os envolvidos. No mesmo fim de semana, fomos jogar em Campinas
contra a Ponte Preta, e o Rodovaldo teve uma partida apática. Errava passes
simples, perdia as bolas na frente com facilidade, finalizou mal em algumas
oportunidades e, puta merda, perdeu um gol sem goleiro. No jogo seguinte, uma
derrota para o União Barbarense, com o puto do Rodovaldo perdendo no final um
pênalti que empataria o jogo.
Acabamos sendo eliminados na fase
seguinte, pelo Corinthians. Puta merda, eu odeio o Corinthians, foi na porra do
Corinthians que me botaram o apelido de Carlos Canalha, tenho certeza! O
Brasileiro começou e foi uma merda, nas primeiras cinco rodadas só uma vitória.
Rodovaldo não jogou nenhuma dessas partidas, alegando algum problema muscular.
Um belo dia, fui comunicado de que o treinador tinha feito algumas mudanças na comissão
técnica e médica, e gelei na espinha. Puta merda, só falta esse desgraçado ter
mandado os putos embora – e eu ia ter que pagar as rescisões! – e contratado
outros lazarentos ainda mais caros. Pedi a lista das mudanças feitas, quebrei o
pau, perguntei quem tinha autorizado aquela porra sem a minha anuência. “O
se-senhor di-disse que era pra fa-fazer o que ele quisesse...”, me disse
tremelicando o puxa-saco do adjunto, mandei ele pra casa do caralho, ou pelo
menos pro filho duma égua do fono. Olhei a lista e tava lá, como eu tinha
previsto, o nome da psicóloga. Algumas semanas depois, puta merda... O técnico
afastou o Rodovaldo. Relataram pra mim
que houve briga, insubordinação, que a situação já vinha assim há tempos. Mas
nenhum puto abria o bico sobre o que realmente tinha acontecido. Chamei o
puxa-saco:
“Puta merda. Quero saber agora o
que aconteceu entre o técnico e o Rodovaldo. Fala ou rua!”
Ele deu o serviço. Rodovaldo, em
sua fase boa, tinha recuperado mesmo a alegria de jogar futebol. Porque estava
comendo a psicóloga, aquela psicóloga tão cara que eu tinha tido tanto trabalho
pra contratar, puta merda! Só que a psicóloga, a despeito de todas as suas
qualidades profissionais, não acompanhava o treinador, pra todo clube que este
ia, por simples acaso. Não preciso ser explícito, cê já entendeu, né? Puta
merda. Quando o técnico descobriu, foi um caralho. Em outros tempos acho que
ele teria chegado pra mim e pedido a cabeça do jogador, tipo “ou eu ou ele”.
Mas tá tão difícil pra um técnico campeão do passado se empregar num clube
carente, que precisa dele e paga em dia, que ele foi mais maleável e substituiu
a gostosa, ficando com ela só no pessoal de sua casa e tirando do profissional
do meu clube. Só que Rodovaldo, puta merda, era um amante à moda antiga, do
tipo que ainda manda flores. Por trás daquele joelho tão maltratado pela vida e
daquele fígado tão resistente às batalhas do álcool também batia um coração, e
o centroavante do meu time estava apaixonado pela psicóloga concubina do meu
treinador. Continuaram saindo escondidos até que o corno descobriu. Puta merda.
Tinha que resolver. Mando quem embora? O técnico, pagando uma multa altíssima,
e tendo que remontar toda a comissão técnica? O atacante, também gastando um
caralhão de dinheiro em multa e direitos trabalhistas? Tinha duas alas de
puxa-sacos me dando aqueles conselhos edificantes de sempre. “Mantenha o
técnico”, eles disseram. “Mantenha o jogador”, eles disseram. Mandei os dois
embora, comi a psicóloga.
Ha ha ha, mentira! Mantive os
dois, perdi o campeonato, não comi ninguém, o time foi desmanchado no fim do
ano. Perdi a eleição. Puta merda.
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O autor deste conto lamenta profundamente o falecimento dos operários que trabalhavam na construção da Arena Corinthians, em Itaquera. Que estejam em paz.
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* Rafa Gimenez é jornalista, ex-poeta e contista. Ama futebol, mas é um tremendo perna-de-pau. Estará aqui às quintas escrevendo o "Resenhas inventadas", coluna de contos que tem o maravilhoso esporte bretão como tema central ou pano de fundo. Esperamos que você apareça!
Sensacional. Biscoito finíssimo esse conto! Ah como eu queria saber escrever assim!
ResponderExcluirHahahha, menas, Seu Lindolfo! Tu é mestre!
ExcluirMuito bom, Rafael!
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