O maravilhoso poxeto do pofexô





“Eu só trabalho com os melhores pofixionais, tá xerto?”

E foi assim que eu, Carlos Canale – chamado por meus detratores de Carlos Canalha – comecei a maior cagada da minha vida como dirigente de um dos maiores clubes do Brasil. Dizem que errar é humano, mas persistir no erro é burrice. Puta merda, atirem-me pedras, atirem-me fezes. Eu repeti a cagada. Já tinha montado um time caro na temporada anterior e – puta merda! – o time mesmo assim ficou pelo meio da tabela. No clube, os puxa-sacos me diziam “calma, demora mesmo pro time dar liga”, “não esquenta, esse time é pro ano que vem” e outras bobagens que não consolam um sujeito que tem só mais um ano de mandato e quer ganhar alguma coisa pra se reeleger nas eleições próximas. Puta merda.

No ano anterior dei ouvidos aos babacas do meu departamento de marketing e trouxe um medalhão. O sujeito tinha jogado em grandes clubes europeus, na seleção brasileira, ganhado prêmio da Fifa e outros quetais, mas tava uns dois anos sem jogar nada, só se contundindo e engordando. Baladeiro e cachaceiro. Puta merda. “Traga o cara”, eles me disseram. “Agradaremos aos patrocinadores”, eles disseram. “Ele gordo é melhor que todos esses bagres magros”, eles disseram. Cedi, contra a minha vontade trouxe, mandei fazer festa de apresentação e o escambau. O sujeito demorou uns dois meses pra estrear, fez apenas três gols e o ano terminou com os puxa-sacos me dizendo “calma, no ano que vem ele arrebenta!”. Puta merda.

A segunda cagada, a que me referi na abertura desta cantilena horrorosa – puta merda! – eu fiz sem pedir palpite de ninguém. Trouxe o treinador mais badalado e caro do país. E também o mais decadente. O salário do sujeito era alto, mas o pior era a comissão técnica. Já na primeira reunião pra negociar eu me encabulei com ele. Pediu pra trazer três auxiliares técnicos. Pra que três? “Porque eu trabalho com três”. Ok. Pediu pra trazer preparador de goleiros, massagista, olheiro, preparador físico. O clube já tem tudo isso, eu disse. “Só trabalho com os meus”, ele disse. Puta merda, mandei todo mundo embora e contratei os dele. “Quero nutricionista, psicóloga e fono”. Fono, pra quê fono? Quero jogador fazendo gol, não jogador curando gagueira. Ele me convenceu de que o clube devia oferecer a melhor estrutura para os atletas. Resumindo, contratei médicos, um mágico, um quiroprático, um circo de pulgas... Tudo o que o puto me pediu. Ia torrar uma grana com folha salarial, puta merda. E mal sabia eu que o que eu estava gastando não seria o maior problema.

Bom, o cara me fez contratar a melhor psicóloga esportiva do Brasil, uma mulher de 30 anos com cerca de quinze livros publicados, relatando casos bem sucedidos de recuperação de atletas. Agarrei-me no óbvio pululante, como diria Nelson Gonçalves e, nem bem a sujeita se instalou numa sala do CCT, chamei o meu adjunto e disse: manda o Rodovaldo pra ela. Vamo ver se a mulher é boa mesmo. Puta merda.

O Rodovaldo, o jogador pobrema de que falei antes, fez as primeiras sessões de tratamento com ela debaixo do mais deslavado ceticismo, do elenco, dos conselheiros, da imprensa. Ninguém tinha dado jeito nele, uma simples psicóloga da equipe do meu treinador ia dar? Mas o fato é que, depois de algumas semanas, ele começou a aparecer nos treinos. Mais umas semanas, começou a emagrecer. Estreou um mês depois do resto do elenco, quando nós achávamos que seria uns três meses depois. E, o mais impressionante: começou a meter gol. Gol todo jogo. Gol de todo jeito. Contra o Mogi Mirim, lá em Mogi, meteu um de bicicleta. Puta merda. No final do ano passado tava parecendo um mamute, se desse uma bicicleta não levantava da grama nem com guindaste, e agora tava dando arrancadas, driblando três, quatro, cinco jogadores de uma vez. Puta merda, o sujeito tava jogando a bola dos tempos de Itália. Eu estava exultante, o time tava líder do campeonato e, puta merda!, finalmente a imprensa parou de me pentelhar por ter apostado num ex-jogador em atividade. Depois de um jogo desses, chamei o Rodovaldo no vestiário, dei um abraço nele e disse:

“Puta merda, negão, tá jogando o fino, hein? Tomou vergonha nessa cara larga aí, é?”

“Seu Carlos, é a Dra. Andreia! Ela tirou uns grilos da minha cabeça, voltei a jogar com alegria!”

Meus detratores acham que sou um ignorante, um xucro, um cavalgadura diplomada (tenho um diploma fajuto de administração de empresas, faculdade que fiz justamente porque já era rico com minhas empresas e tava cansado de ser chamado de ignorante e boçal pelo pessoal “daselite”). Mas eu me considero, modéstia à parte, sagaz e sensitivo. Vi logo que tinha coisa nessa história aí e, mais tarde, chamei a doutora milagreira na minha sala.

“Quero agradecer a senhora por ter recuperado nosso atleta, estamos muito felizes com os resultados e quero que o mesmo trabalho continue sendo feito com ele e o restante do elenco”.

A doutora ficou me olhando de um jeito que me deixou encabulado. Puta merda. Olhei bem pra ela, com mais atenção. Uma mulher muito gostosa, com pernas lindíssimas, lábios grossos, olhos verdes. Puta merda, então me deu o clique. Eu conhecia bem o treinador que havia contratado. Conhecia Rodovaldo, um jogador que em um ano de clube cansou de furar concentração pra ir comer puta, ou trazia as putas pra dentro da concentração, e eu não podia fazer nada porque ele era “a estrela”. Os putos do marketing, sempre eles – puta merda! – se reuniam com a direção de futebol e com a assessoria de comunicação do clube (que, aliás, foi trocada também pelo treinador) pra bolar mil estratégias pra abafar escândalos e enganar a imprensa e a torcida. Eu por mim mandava tudo para o caraleo, mas tinha que me submeter, só com os magos do marketing e com os patrocinadores deles eu conseguia pagar os salários do Rodovaldo e de outras pembas do elenco. A psicogostosa interrompeu minhas elucubrações – puta merda, onde aprendi essa palavra?:

“Seu Carlos, eu posso ir?”

“Pode, minha filha, vai lá”.

Ela saiu. Liguei pro adjunto: “Conhece algum terreiro bom? Vamos precisar de reza braba, porque vai feder!”. Tá maluco, o puxa-saco me disse. Tá tudo indo às mil maravilhas, o puxa-saco me disse. Fui filosófico, que nem Arquimedes, Aristóteles... um desses aí: “Já reparaste que, sempre que vem pé d’água, o céu antes já esteve azul?”

Um mês depois, teve um rebuceteio no vestiário. Jogadores saindo no tapa e o escambau. Puta merda, fiquei sabendo pelo diretor de futebol, ele já tinha tomado as devidas providências, punido disciplinarmente os envolvidos. No mesmo fim de semana, fomos jogar em Campinas contra a Ponte Preta, e o Rodovaldo teve uma partida apática. Errava passes simples, perdia as bolas na frente com facilidade, finalizou mal em algumas oportunidades e, puta merda, perdeu um gol sem goleiro. No jogo seguinte, uma derrota para o União Barbarense, com o puto do Rodovaldo perdendo no final um pênalti que empataria o jogo.

Acabamos sendo eliminados na fase seguinte, pelo Corinthians. Puta merda, eu odeio o Corinthians, foi na porra do Corinthians que me botaram o apelido de Carlos Canalha, tenho certeza! O Brasileiro começou e foi uma merda, nas primeiras cinco rodadas só uma vitória. Rodovaldo não jogou nenhuma dessas partidas, alegando algum problema muscular. Um belo dia, fui comunicado de que o treinador tinha feito algumas mudanças na comissão técnica e médica, e gelei na espinha. Puta merda, só falta esse desgraçado ter mandado os putos embora – e eu ia ter que pagar as rescisões! – e contratado outros lazarentos ainda mais caros. Pedi a lista das mudanças feitas, quebrei o pau, perguntei quem tinha autorizado aquela porra sem a minha anuência. “O se-senhor di-disse que era pra fa-fazer o que ele quisesse...”, me disse tremelicando o puxa-saco do adjunto, mandei ele pra casa do caralho, ou pelo menos pro filho duma égua do fono. Olhei a lista e tava lá, como eu tinha previsto, o nome da psicóloga. Algumas semanas depois, puta merda... O técnico afastou o Rodovaldo.  Relataram pra mim que houve briga, insubordinação, que a situação já vinha assim há tempos. Mas nenhum puto abria o bico sobre o que realmente tinha acontecido. Chamei o puxa-saco:

“Puta merda. Quero saber agora o que aconteceu entre o técnico e o Rodovaldo. Fala ou rua!”

Ele deu o serviço. Rodovaldo, em sua fase boa, tinha recuperado mesmo a alegria de jogar futebol. Porque estava comendo a psicóloga, aquela psicóloga tão cara que eu tinha tido tanto trabalho pra contratar, puta merda! Só que a psicóloga, a despeito de todas as suas qualidades profissionais, não acompanhava o treinador, pra todo clube que este ia, por simples acaso. Não preciso ser explícito, cê já entendeu, né? Puta merda. Quando o técnico descobriu, foi um caralho. Em outros tempos acho que ele teria chegado pra mim e pedido a cabeça do jogador, tipo “ou eu ou ele”. Mas tá tão difícil pra um técnico campeão do passado se empregar num clube carente, que precisa dele e paga em dia, que ele foi mais maleável e substituiu a gostosa, ficando com ela só no pessoal de sua casa e tirando do profissional do meu clube. Só que Rodovaldo, puta merda, era um amante à moda antiga, do tipo que ainda manda flores. Por trás daquele joelho tão maltratado pela vida e daquele fígado tão resistente às batalhas do álcool também batia um coração, e o centroavante do meu time estava apaixonado pela psicóloga concubina do meu treinador. Continuaram saindo escondidos até que o corno descobriu. Puta merda. Tinha que resolver. Mando quem embora? O técnico, pagando uma multa altíssima, e tendo que remontar toda a comissão técnica? O atacante, também gastando um caralhão de dinheiro em multa e direitos trabalhistas? Tinha duas alas de puxa-sacos me dando aqueles conselhos edificantes de sempre. “Mantenha o técnico”, eles disseram. “Mantenha o jogador”, eles disseram. Mandei os dois embora, comi a psicóloga.


Ha ha ha, mentira! Mantive os dois, perdi o campeonato, não comi ninguém, o time foi desmanchado no fim do ano. Perdi a eleição. Puta merda. 

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O autor deste conto lamenta profundamente o falecimento dos operários que trabalhavam na construção da Arena Corinthians, em Itaquera. Que estejam em paz.

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* Rafa Gimenez é jornalista, ex-poeta e contista. Ama futebol, mas é um tremendo perna-de-pau. Estará aqui às quintas escrevendo o "Resenhas inventadas", coluna de contos que tem o maravilhoso esporte bretão como tema central ou pano de fundo. Esperamos que você apareça! 

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