A Invisibilidade Social e suas Vítimas Anônimas

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O avô da minha namorada trabalhou na construção de Brasília. Trabalho pesado, vida doída. Teve de deixar a família em Minas Gerais para abrir as estradas da nova capital. Faleceu, mas deixou pra família uma aposentadoria especial, o que garantiu certo amparo para os seus. Alguns filhos prescindiram da ajuda, outros não. Hoje, o rol de nomes que entraram para a história de Brasília não comporta o nome do Sr. Antônio Melo da Costa, mas o importante é que o esforço dele para com sua família não foi em vão. E se não é conhecido em escala nacional, ao menos não é esquecido por aqueles que o conheceu.
Eu não conheci o Sr. Antônio. Assim como também não conheci o ajudante de carpinteiro José Afonso de Oliveira Rodrigues, de 21 anos, que caiu de uma lage de 30 metros e morreu em junho do ano passado na reforma do estádio de Brasília. Apesar de desde já ser considerado um elefante branco, o Mané Garrincha terá suas glórias, talvez até de ídolos que ainda não nasceram, e esses ídolos marcarão seus nomes, mas não o José Afonso. José Afonso não é ídolo, sequer é mártir, mal é reconhecido como vítima.
Na arena da Amazônia (um elefante branco ainda maior por sinal) a vítima foi Raimundo Nonato Lima Costa, em março deste ano. Sem idade determinada nos sites em que pesquisei, Raimundo teria caído de uma altura de 5 metros e a causa da morte, foi traumatismo craniano, supostamente após tentar passar de uma coluna para um andaime.
Em abril deste ano Carlos de Jesus, de 34 anos, morreu esmagado por quatro vigas que desmoronaram na reforma da Arena Palmeiras, hoje Allianz Parque. A ironia desse caso específico é que as vigas que desabaram eram as que sustentariam novos camarotes da arena.
Puxando esses casos pela memória fiz a pesquisa para verificar o nome das vítimas, e descobri ainda que houve duas mortes na construção da Arena do Grêmio. Estes eu não consegui localizar nomes ou causas das mortes.
Vale a citação tanto da arena do Palmeiras quanto da arena do Grêmio, porque apesar de não serem estádios que serão utilizados na Copa, fazem parte desse movimento de modernização pelo qual está passando o futebol brasileiro.
Hoje foi a Arena Corinthians. Dois operários que até o momento não pude verificar os nomes, mas que foram vítimas do guindaste que despencou com o último módulo de cobertura do estádio.
Eu também não conheci nenhum desses outros homens. Tive conhecimento deles através de uma pesquisa no Google. Mas tenho consciência de que suas vidas perdidas fazem parte de um ônus, não só da Copa do Mundo, não sejamos ingênuos, mas de todo um despreparo da sociedade com aquele, o trabalhador anônimo, que sofre de invisibilidade social. A especulação imobiliária está à toda e certamente morrem muito mais anônimos em construções de prédios do que em estádios, mas que não geram comoção pelo simples fato de que são casos que não vêm à tona. Não pertencem ao quadro da preparação de um evento em escala mundial.
Mas voltemos aos casos específicos da Copa.
Que a Copa do Mundo é um negócio da China para a Televisão, pra FIFA e para as construtoras não temos dúvidas. Sabemos também que a Copa gerará recursos para o país, não só via turismo como também tendo em vista as melhorias que ela proporcionará às regiões em que ocorrerão os jogos. Nós, Cartesianos, somos apaixonados por futebol e por consequência também pela Copa do Mundo. Entretanto, somos também críticos, e em meio a tantos problemas cercando o futebol em todo o mundo - como o racismo na Europa, a desigualdade no Brasil, a má qualidade das condições de trabalho e até mesmo o turismo sexual (não só aqui como em todos os países pobres), além da homofobia no futebol como um todo -, ficamos nos perguntando se Joseph Blatter não deveria estar mais próximo e atento à sua galinha dos ovos de ouro, assumindo práticas e não somente discursos, e acima de tudo, práticas que se adequem aos países que sediam seu evento, e que favoreçam não só espetáculo para o mundo e para o turista consumidor, mas também para os locais, anfitriões que não devem jamais perder mais do que recebem. Ficar em cima não só do público, como também do governo local e das construtoras contratadas. Buscar atender também às necessidades humanas, não somente as exigências dos patrocinadores.
No caso do Sr. Antônio, avô de minha namorada, até por estar a serviço do governo, houve uma compensação cabível para a família mesmo naquela época, décadas atrás, mas fico me perguntando se a Via Engenharia, a Andrade Gutierrez, a Odebrecht, a W/Torre, e a OAS se preocuparam em dar treinamento e condições de trabalho adequadas para estes trabalhadores, e uma vez tendo ocorrido as fatalidades, se houve o amparo para as famílias que sofreram as perdas. E que ao menos não fiquem no anonimato os donos dessas mãos soterradas que ajudam a erguer verdadeiros templos da alegria, que são desfrutados invariavelmente por outros (inclusive este que vos fala).
Fonte da foto: http://www.gazetadopovo.com.br/copa2014/sedes/conteudo.phtml?id=1322823